Aposentadoria Compulsória dos Empregados Públicos Celetistas
Liduina Araújo Batista
RESUMO:
Este trabalho é uma análise sobre a aposentadoria compulsória do empregado público, a partir da Emenda Constitucional nº 103, de 2019. A metodologia utilizada para o estudo teve como base a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, de acordo com os Tribunais Pátrios Superiores. Realizou-se a pesquisa documental, considerando a utilização de legislação sobre o tema.
Palavras chave: Empregado público; Aposentadoria compulsória.
INTRODUÇÃO:
O empregado público é espécie de agente público, expressão que faz referência àquele que presta serviço ao Estado exercendo função pública. Neste sentido, o Art. 2º da Lei 8429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei.
Portanto, os agentes públicos, classificados por categoria didática abrangem os agentes políticos, os servidores públicos, os empregados públicos os contratados e os colaboradores que de alguma forma exercem funções públicas. Para o caso em tela, destaca-se que, os empregados públicos não possuem estabilidade e sua contratação deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme a natureza e a complexidade do emprego, são admitidos nas empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas de direito privado, sob o regime celetista. (José dos Santos Carvalho Filho.)
Sobre o tema, colaciona-se a proposição do artigo primeiro da Lei nº 9.962/2000:
Art. 1 o
O pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n o 5.452, de 1 o de maio de 1943 , e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário.
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA:
Em se tratando de aposentadoria, é cediço que a Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103, de 2019) incluiu o parágrafo 16 no artigo 201, conforme transcrito a seguir:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(...)
§ 16. Os empregados dos consórcios públicos, das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das suas subsidiárias serão aposentados compulsoriamente, observado o cumprimento do tempo mínimo de contribuição, ao atingir a idade máxima de que trata o
inciso II do § 1º do art. 40, na forma estabelecida em lei. (Destaque Nosso).
Observa-se, contudo, que a informação constante do dispositivo requer a “forma estabelecida em lei”.
A condição para aplicabilidade, “forma estabelecida em lei”, indica que a norma não tem aplicação imediata dependendo de Lei (ato do poder legislativo) para surtir efeitos, tratando-se, portanto, de norma constitucional de eficácia limitada conforme a classificação tradicional das normas constitucionais, no ensinamento de José Afonso da Silva. Isto é, a norma de eficácia limitada embora possua eficácia, tem aplicabilidade indireta, mediata, reduzida e a produção plena dos seus efeitos necessita de regulamentação futura. A norma de eficácia limitada, antes da regulamentação, disposta no texto constitucional, é eficaz, e esta eficácia mínima tem o condão de produzir dois efeitos imediatos: o efeito imediato negativo que se mostra em relação ao parâmetro de (in)constitucionalidade das normas posteriores à sua vigência; e o efeito imediato efeito vinculativo que, por meio do mandado de injunção ou ação direta de inconstitucionalidade por omissão, obriga a edição de leis regulamentadoras pelo legislador. Porém, repita-se, antes da regulamentação, embora disposta no texto constitucional, a norma de eficácia limitada não pode ser aplicada automaticamente porque sua aplicação dar-se-á na forma da lei.
Ressalte-se que, o parágrafo 16 do art. 201 da Constituição da República Federativa do Brasil, incluído pela EC n. 103/19 disciplina a aposentadoria compulsória para o Regime Geral da Previdência Social – RGPS para o beneficiário que “atingir a idade máxima de que trata o inciso II do §1º do art. 40, na forma estabelecida em lei”, in verbis:
Art. 40. O regime próprio de previdência social aos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
§1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência será aposentado:
(...)
II – Compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar;
A aposentadoria compulsória aos 70 ou aos 75 anos de idade para os empregados públicos também necessitou de uma Lei, no caso, Lei Complementar, para aplicação válida do preceito constitucional, caracterizando indiscutível norma de eficácia limitada, de aplicabilidade indireta, mediata e diferida, havendo necessidade de norma posterior para lhe garantir a eficácia. Com este objetivo, em dezembro de 2015, entrou em vigência a Lei Complementar n. 152, cujo art. 2º delimita o alcance da aplicabilidade do II do §1º do art. 40 da CF/88, veja-se:
Art. 2º Serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade:
I – os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações;
II – os membros do Poder Judiciário;
III – os membros do Ministério Público;
IV – os membros das Defensorias Públicas;
V – os membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.
Parágrafo único. Aos servidores dos Serviço Exterior Brasileiro, regidos pela Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006, o disposto neste artigo será aplicado progressivamente à razão de 1 (um) ano adicional ao limite para aposentadoria compulsória ao fim de cada 2 (dois) anos, a partir da vigência desta Lei Complementar, até o limite de 75 (setenta e cinco) anos previstos no caput.
O entendimento jurisprudencial adotado pelos Tribunais do Trabalho sobre o tema, em processos anteriores à EC 103/2019, era no sentido de aplicação da regra da aposentadoria compulsória, prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, aos servidores públicos, ainda que celetistas. Nesta direção manifestou-se o E. Tribunal Superior do Trabalho, verbis:
“RECURSO DE REVISTA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EMPREGADO PÚBLICO REGIDO PELA CLT. REINTEGRAÇÃO INCABÍVEL. A decisão regional está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a regra da aposentadoria compulsória, prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, aplica-se aos servidores públicos, ainda que celetistas. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido." (Processo: RR - 29-83.2015.5.03.0012. Órgão Judicante: 1ª Turma. Relator: Hugo Carlos Scheuermann. Julgamento: 28/02/2018).
Porém, com a edição da EC 103/2019, o STF conduziu-se no sentido de não aplicação da regra constitucional da aposentadoria compulsória aos empregados públicos celetistas, conforme se observa nos seguintes julgados:
Julgamento do AgR ARRE: 1049570 MG ocorrido no dia 08/06/2020, (Relatoria do Exmo. Ministro Roberto Barroso), decidiu-se que “ao empregado público celetista, não se aplica a regra constitucional da aposentadoria compulsória”:
DIREITO DO TRABALHO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EMPREGADO PÚBLICO CELETISTA. AUTARQUIA MUNICIPAL. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ART. 40, §1º, II, DA CF. INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, no caso de empregado público celetista, não se aplica a regra constitucional da aposentadoria compulsória, a qual se destina a servidores públicos titulares de cargos efetivos em sentido estrito. Agravo interno a que se nega provimento. (STF – AgR ARE: 1049570 MG – MINAS GERAIS 0001362-85.2014.5.03.0180, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento 08/06/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe – 156 23-06-2020).
No mesmo a jurisprudência do E. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região:
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. 1. Nos termos do entendimento jurisprudencial firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho, o art. 40, § 1º, II, da CF e não o art. 51 da Lei n. 8.213/1991, é aplicável ao caso dos autos. Inteligência da Lei Complementar 152/2015, que regulamentou o art. 40, § 1º, da CF. 2. Ato de aposentadoria compulsória que se afigura irregular, por não observados os parâmetros estabelecidos nos dispositivos constitucionais e legais mencionados. DANO MORAL. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA IRREGULAR. PRIVAÇÃO DA FONTE DE RENDA DA TRABALHADORA. ABALO MORAL IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO DE VIDA.De acordo com o art. 5º, X, da Constituição da República, a honra e a imagem das pessoas é inviolável, sendo assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Além disso, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo. No caso, considerando a violação constatada nos autos de irregularidade da aposentadoria compulsória da autora, que, se viu, a partir de então, privada de sua fonte de renda, assim considerada a remuneração paga ao pessoal da ativa, restam configurados o ato ilícito, o nexo causal e o abalo moral presumido – in re ipsa, sendo devida à autora a indenização extrapatrimonial postulada. (TRT-4 – ROT: 00201771020195040801, Data de Julgamento: 03/09/2020, 2ª. Turma).(Destaque nosso).
Ainda o E. Tribunal Regional do Trabalho -TRT/4ª Região:
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EMPREGADO PÚBLICO. INAPLICABILIDADE. Ao empregado público não se aplica a regra da aposentadoria compulsória contida no artigo 40, § 1º, II, da Constituição Federal, considerando o teor restritivo da previsão constitucional. Inteligência da Súmula 125 deste Tribunal Regional. (TRT-4 – ROT: 0020058722019504601, Data de Julgamento: 02/07/2020, 2ª. Turma). (Destaque Nosso).
Somando-se a esse entendimento, o Excelso Supremo Tribunal Federal, importante lembrar que no julgamento das ADINS nº 1721-3 e nº 1770-4, declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º, do art. 453 da CLT, não podendo haver mais, portanto, a extinção do contrato de trabalho após a concessão de aposentadoria espontânea.
O Relator da ADIN 1721-3, Ministro Carlos Ayres Britto, ao declarar a inconstitucionalidade da norma supramencionada, aduziu que:
“Revelando-se equivocada, assim penso, a premissa de que a extinção do pacto de trabalho é a própria condição empírica para o desfrute da aposentadoria voluntária pelo Sistema Geral de Previdência Social.
(...) Quero dizer: a relação previdenciária até que principia com a relação de emprego, sem dúvida (caso dos autos). Mas a relação de aposentadoria, uma vez aperfeiçoada, se automiza perante aquela. Ganha vida própria e se plenifica na esfera jurídica do “segurado”
perante o sistema previdenciário em si.”
Ademais, fundamentou seu voto nos valores sociais do trabalho (inciso IV do art. 1º da Constituição Federal), no Princípio da Ordem Econômica (art. 170 da Constituição Federal) e na busca do pleno emprego (inciso VIII do art. 170 da Constituição Federal).
No mesmo sentido entendeu o Relator da ADIN nº 1770-4, Ministro Joaquim Barbosa, que enfatizou que o rompimento do vínculo empregatício logo após a aposentadoria espontânea é um ato arbitrário, o que seria vedado pela Constituição Federal. É certo, portanto, que a Suprema Corte utilizou como fundamento predominante a autonomia entre as relações previdenciárias e empregatícia, não sendo admissível que o exercício regular de um direito, que no caso concreto é a aposentadoria, interferisse na manutenção de um emprego. Como consequência, pode-se dizer que diante da impossibilidade da aposentadoria intervir na relação laboral, a vedação da continuidade do trabalhador beneficiário de aposentadoria especial no emprego insalubre/perigoso viola frontalmente os arts. 1º, IV, 5º, VIII e 170, da Constituição Federal. Isso ocorre porque a Carta Magna de 1988 tem entre seus fundamentos os valores sociais do Trabalho e sua valorização, bem como o livre exercício de qualquer profissão. Por conseguinte, não há qualquer restrição constitucional para que um trabalhador permaneça exercendo suas atividades laborais em empresa pública após a concessão de aposentadoria previdenciária.
A declaração universal dos direitos do homem, conquanto não se revista na forma de tratado ratificável, é, segundo Arnaldo Sussekind, fonte de máxima hierarquia no mundo do direito e proclama:
“Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”
Sobre o tema “aposentadoria compulsória dos empregados públicos celetistas”, em recente decisão, o E. Supremo Tribunal Federal firmou entendimento sobre a exigência de lei para regulamentar as disposições contidas no parágrafo 16, do art. 201 da Constituição Federal:
“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. AÇÃO DO PROCEDIMENTO COMUM. HOSPITAL NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. EXTINÇÃO DE CONTRATO DE EMPREGO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA. 1. A Emenda Constitucional 103/2019 acrescentou o §16º, ao artigo 201, da Constituição Federal, dispondo acerca da aposentadoria compulsória dos empregados públicos celetistas. A norma em questão não possui elementos suficientes para sua vigência imediata, sendo de eficácia limitada e aplicabilidade mediata, exigindo a existência de lei prévia que a regulamente." (SL 1701. Decisão proferida pelo(a): Min. EDSON FACHIN. Julgamento: 05/01/2024).
Logo após, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), com a lavra da Ministra Morgana de Almeida Rich, seguiu a mesma trilha, no julgamento do RR-11521-58.2015.5.18.001:
"(...)
III - RECURSO DE REVISTA, ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RETORNO DOS AUTOS APÓS JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO PELA SUPREMA CORTE. VERBAS RESCISÓRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. MULTA DE 40% DO FGTS. EMPREGADO PÚBLICO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. INAPLICABILIDADE. 1. Hipótese em que o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso extraordinário do reclamante para fixar tese de que a aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF não se aplica aos empregados públicos, submetidos ao regime celetista. 2. No caso concreto, resulta incontroverso que o reclamante, empregado público do quadro de pessoal da Agência Goiana de Desenvolvimento Industrial e Mineral, foi demitido por iniciativa da empregadora ao atingir os 70 anos de idade, de modo que, não mais subsistindo a justificativa de aposentadoria compulsória, forçoso concluir se tratar de dispensa sem justa causa, a tornar exigível o pagamento de aviso prévio indenizado, diferenças de férias + 1/3 e décimo terceiro salário sobre a projeção do aviso, além de multa de 40% do FGTS. 3. Disso se extrai que o Tribunal Regional, ao indeferir os pedidos de verbas rescisórias, incorreu em potencial violação do art. 40, § 1º, II, da CF, por má-aplicação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR- 11521-58.2015.5.18.0011, 5ª Turma, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 23/02/2024).
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Dos estudos aqui expendidos conclui-se pela inexistência de fundamentação para aposentadoria compulsória de empregados públicos celetistas, porquanto não se reveste de legalidade. Por conseguinte, resta inaplicável o dispositivo constitucional sobre o tema (§ 16 do Art. 201 CF/88), em razão da inexistência de lei regulamentadora.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei nº º 8.429, de 2 de junho de 1992. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm . Acesso em 14/03/2024.
BRASIL. Lei n o 9.962, de 22 de fevereiro de 2000. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9962.htm . Acesso em 14/03/2024.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 38ª edição. Ed. Atlas, 2024. p. 641.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, pp. 73 e 74.